O ritual do quotidiano ou o quotidiano do ritual

Uma observação e algumas notas soltas sobre o Neolítico alentejano
por Manuel Calado e Pedro Alvim

Foi Lua Cheia a 9 de Agosto.
O céu estava turbado pelos efeitos colaterais dos incêndios na serra d’Ossa, acentuando um certo cenário de filmes de mistério .

Visto do povoado neolítico da Barroca (Mora), o pôr-do-sol aconteceu sobre os cabeços mais conspícuos na margem direita do Raia, em frente à vila de Mora, um dos quais é conhecido como o Cabeço da Mina e sobre o qual, soubemo-lo recentemente - sem surpresa - se contam lendas de carácter mágico.

Poucos minutos depois, a Lua surgiu sobre uma série de três cabeços muito destacados, que constituem o horizonte da Barroca, entre o Leste e uns quantos graus a Sul.

A aparente relação entre a skyline do povoado da Barroca e as posições, no horizonte, do Sol e da Lua, no momento da Lua Cheia, não seria muito surpreendente se se tratasse de um monumento e não apenas de um sítio de habitat.
E uma das questões que, de imediato, se levantam é precisamente, a dos limites entre o comportamento simbólico e o quotidiano.

Arqueologicamente, vão surgindo, aqui e ali, indícios de que essa fronteira foi fácil de transpôr, se é que alguma vez existiu para além das categorias mentais enraizadas no presente.

A própria descoberta do povoado da Barroca surgiu na sequência de uma questão, certamente pertinente, colocada a propósito do estudo, iniciado no ano passado, do recinto megalítico das Fontaínhas: onde viviam os construtores do recinto?

No fundo, a esta pergunta subjaz uma divisão/exclusão entre os cenários das actividades quotidianas e as actividades rituais que talvez necessite, até certo ponto, ser relativizada.
Note-se a semelhança (eventualmente uma coincidência) entre o horizonte oriental, visível a partir do menir do Barrocal, em Monsaraz, e o do povoado da Barroca.





















Colina de Monsaraz vista a partir do menir do Barrocal

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Proponho então colocar a problemática do comportamento simbólico não centrada sempre em cada sítio como desígnio fundamental e transparente, mas antes enquanto momento incorporado da vida social e praticado sem uma racionalidade aparente, isto é, as vicissitudes da paisagem encerrarão em cada sítio, cada monumento, uma função simbólica descodificável somente na medida em que nos apoderamos dos seus instrumentos de produção simbólica.

Assim, a naturalidade das escolhas, das opções, das tomadas de decisão, é realmente uma questão natural, mas uma paradoxal naturalidade vivida entre o quotidiano e a excepcionalidade.

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