Evora Monte: as paisagens invisíveis
Evoramonte: novas descobertas numa velha cidade
Publiquei, num post do passado dia 21 de Dezembro, um texto sobre os vestígios da ocupação do cabeço de Evoramonte antes da fundação do Castelo medieval.
Esse artigo foi o resultado das primeiras observações, efectuadas ao longo de três dias, ao longo das encostas do cabeço; a evidência de vários troços de circuitos defensivos revelando uma área de ocupação de dimensões inéditas, na região, e, em particular, a dimensão aparente da ocupação pré-romana permitiram, desde logo, atribuir a Evoramonte um lugar único na estrutura política regional, ao longo de todo o primeiro milénio antes de Cristo.
Depois dessas pesquisas iniciais, regressei repetidas vezes ao local, com o objectivo de obter novos elementos e, sobretudo, clarificar alguns aspectos que tinham permanecido omissos.
E os resultados continuaram a ser surpreendentes.
Na verdade, para além de alguns detalhes menos relevantes, as últimas descobertas suportam uma nova aproximação à verdadeira extensão (no espaço e no tempo) do antigo povoado fortificado de Evoramonte, assim como à sua importância relativa na história antiga do Alentejo Central.
A principal surpresa foi, desta vez, a dimensão de Evoramonte nos finais da Idade do Bronze: efectivamente, verificou-se, sem ambiguidades, que o povoado ultrapassou largamente, nesta época, os cerca de dez hectares delimitados pelo talude mais interno. Foram observados materiais desta época, em posições incompatíveis com eventuais arrastos a partir do topo do cabeço, junto do talude mais externo que encerra uma área superior a 30 hectares.
Note-se que este valor ultrapassa largamente os dados conhecidos para os grandes povoados da Idade do Bronze, em todo o SW peninsular. Compare-se, por exemplo, com os 15 ha propostos para Medellin (Mérida) – um dos mais referidos na bibliografia arqueológica – ou os 12,5 ha propostos para o castro de La Muralla (Alcántara), ambos na Extremadura espanhola; a comparação ganha ainda mais sentido se considerarmos os cerca de 8 ha propostos para o Outeiro do Circo (Beja) e Vaiamonte (Monforte), ou, mais próximos de Evoramonte, os castros de S. Bartolomeu (Sousel) e Castelo da Serra d’Ossa (Redondo/Estremoz), ambos com áreas que não devem ultrapassar os 10 ha.
Por uma questão de escala, convém anotar que, para os povoados contemporâneos de Salacia (Alcácer do Sal) ou Miróbriga (Santiago do Cacém), foram propostas áreas de cerca de 2 ha, ou que a área da cidade romana de Ebora seria apenas de cerca de 10 ha.
Verificamos, pois, que, com base nas dimensões da área muralhada, Evoramonte foi certamente um lugar central, fundamental para a compreensão das dinâmicas de povoamento regional, ao longo do último milénio anterior à implantação definitiva do domínio romano.
A dimensão do povoado, à época da chegada dos romanos (II Idade do Ferro), era provavelmente, um pouco menor do que no Bronze Final, embora, mesmo assim, largamente superior às dimensões da generalidade dos restantes povoados da mesma época, no SW peninsular.
Uma das muitas questões que, por ora, permanecem em aberto, é a da ocupação do povoado na I Idade do Ferro, genericamente entre os séculos VIII e V antes de Cristo; com efeito, as prospecções agora efectuadas não proporcionaram elementos suficientes para responder a esta incógnita.
É certo que, nos casos melhor conhecidos, parece desenhar-se, para esse período de cerca de trezentos anos, um padrão de abandono ou, pelo menos, uma forte retracção do povoamento fortificado.
Profundas alterações socio-políticas terão, nessa fase, conduzido a uma dispersão do povoamento, numa rede relativamente densa, de que os recentes trabalhos, na área da barragem do Alqueva, permitiram identificar e escavar um elevado número de sítios. As populações parecem ter abandonado os castros de cumeada, dispersando-se em pequenas quintas (ou montes), de cariz rural, sem evidências de preocupações defensivas.
No entanto, a persistência de alguns núcleos castrejos, como parece ter sido o caso de Medellin ou da Alcázaba de Badajoz, sugere que o abandono dos castros não foi um processo generalizado e que alguns deles terão subsistido, criando, por hipótese, as âncoras que dariam coerência política às referidas unidades rurais: Evoramonte pode, à partida, corresponder a um destes centros políticos sobreviventes.
A ausência de materiais da I Idade do Ferro pode, por outro lado, significar apenas que o povoado sofreu, nesta fase, uma contracção e os respectivos vestígios podem permanecer, actualmente, ocultos sob as ruas e as casas da povoação medieval.
A partir do século V antes de Cristo, alterações profundas – cuja causa é tema de discussão entre os especialistas - provocaram um regresso das populações a alguns dos antigos castros de cumeada e, sobretudo, a construção de novos povoados fortificados, agora geralmente em cotas mais baixas.
Note-se que, curiosamente, os materiais proto-históricos ocorrem sobretudo nas ladeiras Oeste e Norte, aquelas que, à partida, são as mais inóspitas (a úmbria). Este fenómeno, verificado igualmente no povoado de Medellin, relaciona-se com as profundas perturbações provocadas, nas estratigrafias mais antigas, pela ocupação medieval/moderna, nas vertentes mais soalheiras; em contrapartida, o lado oposto do cabeço não foi ocupado, em épocas posteriores à ocupação proto-histórica.
Na maior parte dos taludes, os muros visíveis parecem corresponder a agenciamentos relativamente recentes; porém, em vários pontos dos taludes são igualmente observáveis restos de estruturas que presumivelmente fazem parte das próprias muralhas antigas.
O abandono do povoado, em época romana, é incontestável: os indícios dessa época são relativamente antigos (sec. II-I antes de Cristo) e correspondem a uma sobrevivência do povoado em momentos posteriores à conquista do território pelos exércitos invasores.
Nas prospecções efectuadas, foram apenas identificados dois fragmentos de tégulas (telhas planas, romanas) o que, por outro lado, implica, à partida, um fraco índice de romanização do local.
Estes dados reforçam, obviamente, a presunção de uma relação próxima entre a fundação da cidade de Ebora Liberalitas Iulia, na segunda metade do sec. I antes de Cristo, e o abandono do grande oppidum de Evoramonte.
Se estamos em presença dos restos de Dipo ou de Ebora, só as investigações futuras poderão, eventualmente, esclarecer o dilema.
Manuel Calado
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