A propósito de silos...

Exemplos de estruturas negativas aparentemente utilizadas como silos reconheceram-se no Sul de Portugal em contextos do Neolítico Antigo/ Médio, nos sítios de Salema (Santiago do Cacém, Setúbal) [1] e Defesa de Cima 2 (Torre de Coelheiros, Évora) [2] e, do Neolítico Final, em Horta do Paraíso (Elvas, Portalegre) [3], Águas Frias (Alandroal, Évora) [4], Malhada das Mimosas 1 (Alandroal, Évora) [5] e Horta do Albardão 3 (Torre de Coelheiros, Évora) [6].

Algumas dessas fossas possuíam revestimentos interiores compostos por argamassas argilosas, nomeadamente as de Salema, Defesa de Cima 2 e, possivelmente, uma das fossas de Malhada das Mimosas 1, situação que se verificou na Península Ibérica em pelo menos dois sítios neolíticos - Buraco da Pala (Mirandela, Bragança) [7] e La Colata (Montaverner, Valencia) [8] – e no povoado calcolítico de El Juncal (Madrid) [9]. Segundo alguns autores, esses revestimentos seriam intencionalmente cozidos após aplicação, com o objectivo de preservar os produtos armazenados dentro dos silos, protegendo-os do contacto com a humidade do terreno [8, 9, 10, 11].


Fig. 1 - Defesa de Cima 2: fossa nº 5 (fotografia: Filipe Santos/ Arqueohoje)


Por outro lado, os estratos de enchimento de diversas “fossas-silo” embalavam grandes quantidades de fragmentos de argamassas argilosas provenientes de elementos construtivos. A presença desses vestígios no interior dos silos poder-se-á dever à derrocada de materiais pertencentes às próprias estruturas (como é o caso dos seus revestimentos) ou a deposições posteriores, efectuadas para colmatação das estruturas, após a inutilização das mesmas. Genericamente, têm-se observado dois tipos de vestígios:
- Fragmentos tipo “placa”, pouco espessos, sem impressões de ramagens, com uma face denotando alisamento (geralmente côncava), aparentemente provenientes do revestimento dos próprios silos, como os que foram recolhidos nos silos neolíticos de Defesa de Cima 2 e Malhada das Mimosas 1 e no povoado do Bronze Médio de Casarão da Mesquita 3 (São Manços, Évora), entre muitos outros [2, 12, 13];
- Fragmentos de dimensões e formas variáveis, com impressões de ramagens, possivelmente provenientes de elementos construtivos de outras estruturas, como os que foram recolhidos em Horta do Paraíso e Horta do Albardão 3 [3, 6].
No sítio de Casarão de Mesquita foram ainda recolhidos fragmentos de grandes lajes de pedra, aparentemente pertencentes às tampas dos silos [13].



Fig. 2 - Casarão da Mesquita 3: fragmentos de revestimentos provenientes do silo nº 41, com cerca de 2-3 cm de espessura

O armazenamento de bens alimentares (especialmente de produtos cerealíferos) em silos subterrâneos é ainda praticado em algumas regiões do Norte de África e do Médio Oriente.
No Noroeste da Jordânia, por exemplo, registaram-se diferentes tipos de silos subterrâneos, com variadas formas e dimensões, executados quer no interior de habitações, quer em espaços exteriores. Esses silos apresentavam geralmente revestimentos interiores à base de cal ou argila misturada com palha e eram selados no topo com lajes de pedra e pequenas mamoas de terra [14]. Também em Thula, no Yémen, e na região do Moyen Atlas, em Marrocos, se verificou a existência de silos subterrâneos interiormente revestidos com argamassas de cal ou de argila com palha, selados no topo com lajes de pedra cobertas por terra [15, 16].




[1] Silva, C. T.; Soares, J. (1981) – Pré-História da Área de Sines. Lisboa: Gabinete da Área de Sines
[2] Santos, F.; Carvalho, P. (2006) – Minimização de impactes sobre o património cultural decorrentes da construção do canal de adução da ligação Loureiro - Monte Novo. Habitat Neolítico da Defesa de Cima 2 (Torre de Coelheiros, Évora). Trabalhos arqueológicos. Relatório Final (Agosto 2006). Edia/ Arqueohoje
[3] Mataloto, R.; Costeira, C. (2008) – Intervenção de Emergência no povoado Horta do Paraíso (Elvas). Relatório Final. Redondo: s.n.
[4] Calado, M.; Rocha, A. (2004) – Relatório da escavação do povoado pré-histórico das Águas Frias – Rosário. Campanha 1. Lisboa: Fundação da Universidade de Lisboa/ Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa
[5] Calado, M.; Mataloto, R. (2000) – Relatório de escavação do povoado pré e proto-histórico da Malhada das Mimosas 1 (Alandroal). Campanha 1 (2000). Lisboa: Fundação da Universidade de Lisboa/ Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa
[6] Santos, F. (2006) – Minimização de impactes sobre o património cultural decorrentes da construção do canal da conduta C1_3 do Bloco 3 do Bloco de Rega do Monte Novo. Sítio do Neolítico Final/Calcolítico da Horta do Albardão 3 (S. Manços, Évora). Trabalhos arqueológicos. Relatório Final (Novembro 2006). Edia/ Arqueohoje
[7] Sanches, M. J. (1987) – O Buraco da Pala: um abrigo pré-histórico no concelho de Mirandela (notícia preliminar das escavações de 1987), Arqueologia. Porto: Grupo de Estudos Arqueológicos do Porto, 16, p. 58-77
[8] Gómez Puche, M. et al. (2004) – El yacimiento de Colata (Montaverner, Valencia) y los "poblados de silos" del IV milenio en las comarcas centro-meridionales del País Valenciano, Recerques del Museu d’Alcoi. Alcoi: Museu Municipal, 13, p. 53-128
[9] Díaz del Rio, P. (2001) – La formación del paisaje agrario: Madrid en el III y II milenios BC, Arqueología, Paleontología y Etnografía. Madrid: Comunidad de Madrid, 9
[10] Alonso Martinez, N. (1999) – De la llavor a la farina. Els processos agrícoles protohistòrics a la Catalunya occidental, Monographies d’Archéologie Méditerranéenne. Lattes: CNRS, 4
[11] Santos, F.; Carvalho, P. (no prelo) – O sítio neolítico da Defesa de Cima 2 (Torre de Coelheiros, Évora). Primeiros resultados, III Coloquio de Arqueologia do Sudoeste Peninsular – Aljustrel, Outubro de 2006 (texto policopiado, cedido pelos autores)
[12] Calado, M.; Mataloto, R.; Rocha, A. (2001) – Relatório de escavação do povoado pré e proto-histórico da Malhada das Mimosas 1 (Alandroal). Campanha 3 (2001). Lisboa: Fundação da Universidade de Lisboa/ Centro de Arqueologia da Universidade de Lisboa
[13] Carmo, L. M. (2007) – Minimização de impactes sobre o património cultural decorrentes da construção da conduta principal do Bloco 3 do bloco de rega do Monte Novo. Sítio com fossas do Bronze Médio/ Final do Casarão da Mesquita 3 (São Manços, Évora). Relatório Final (Maio de 2007). Edia/ Arqueohoje
[14] Ayoub, A. (1985) – Les moyens de conservation des produits agricoles dans le Nord-ouest de la Jordania actuelle, Les techniques de conservation des grains à long terme: leur rôle dans la dynamique des systèmes de cultures et des sociétés (dir. Gast, M.; Sigaut, F.) Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, III, fasc. 1, p. 155-169
[15] Gast, M.; Fromont, M. C. (1985) – Silos souterrains et magasins a grains a Thula (République Arabe du Yémen), Les techniques de conservation des grains à long terme: leur rôle dans la dynamique des systèmes de cultures et des sociétés (dir. Gast, M.; Sigaut, F.) Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, III, fasc. 1, p. 193-210
[16] Lefébure, C. (1985) – Réserves céréaliéres et societé: l’ensilage chez les marocains, Les techniques de conservation des grains à long terme: leur rôle dans la dynamique des systèmes de cultures et des sociétés (dir. Gast, M.; Sigaut, F.) Paris: Editions du Centre National de la Recherche Scientifique, III, fasc. 1, p. 211-235

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